quinta-feira, agosto 05, 2010

Rage against the machine

Estive pensando nesse texto a semana toda. Mas ele tomou um novo rumo depois de alguns acontecimentos ontem e vem a calhar.

Nos quatro anos que levei para concluir a graduação peguei muitos ônibus e metrôs e trens e todo tipo de transporte coletivo que atravesse a cidade. Meu sonho era carregar um carrinho com livros incríveis e toda vez que visse alguém lendo O advogado de Deus ou As margens do Rio Piedra, presentea-lo com algo que mudaria sua vida.

Mas o que aconteceu essa semana está muito além de tudo isso.
Jefferson Sato, jornalista sem limites, disse que quer ler Paulo Coelho.

COMO, SATO?!

Bom, na verdade, tudo começou bem antes...quando minha irmã querida retuitou uma frase de Paulo Coelho. Como sempre a incentivei a ler (e nossa casa transborda ótimos livros), ela veio comentar que alguma ex-RBD era fã e amiga do mago. Ela percebeu que não me empolguei. Na mesma noite postei um tweet com algo do tipo: OMG, minha irmã quer ler Paulo Coelho. Os melhores amigos se compadeceram: Natalia e Jefferson vieram em meu socorro e entramos madrugada a dentro fazendo piadinhas sobre uma grande fogueira, nosso próprio index*, KUMBAYA MY LORD!

Eis que Sato cita sua vontade. Enviei links para a coluna do autor e disse: isso é suficiente. Ele disse que não era. Entendo, ele não entendia as piadinhas com conteúdo do autor. Estava deslocado.

Então, Leandro Machado, o poetinha, postou em seu twitter nessa semana: Hoje, @jeffsato e eu estávamos procurando livros do Paulo Coelho na biblioteca da SJ. Vamos ler Paulo Coelho, mas não contem pra ninguém. E foi retuitado pelo próprio autor!

Postei algo pro Sato, a Natália, também. E ele NOS respondeu: @anthems_antics @nataliamariana Poxa gente, ler esse lixo vai valer a pena! Vou poder criticar com todo o meu ódio! KUMBAYA, MY LORD!

E o Paulo Coelho LEU ISSO.

Não acredita? Eu também não!

Mais do que ler, ele retuitou um post do Sato dizendo que leria "esse lixo", mas que não citava o nome dele.

Ok, não sejamos ingenuos, ele se referia a obra do Paulo Coelho. E foi bombardeado por muitos tweets com conteúdo analfabeto funcional (MuLEkE, Kem Vç pensa qui eh?//!1)e por outros cheios de ódio e preconceito (prefiro não reproduzir, esse é um blog de amor, sobre amor, para O Amor).

A questão é: não entendi.
Não entendi porque ele perdeu tempo retuitando quem não se importa com o trabalho dele. Pior do que ficar retuitando elogio, é retuitar desdém alheio.
Ontem, eu postei tal frase: Gente, ler " O retrato de Dorian Gray" depois dos 20 é bem pedante, viu? Ah, Oscar, seu doidinho!

E, pasmem, Oscar Wilde não veio puxar meu pé a noite!

Não quis ofender ninguém com a minha frase e nenhum fã de Wilde se manifestou. Perceba que eu fui direta, em menos de 140 caracteres. O Sato não foi.

Por mais ofensivo que "ler esse lixo" seja, só quem acompanha os tweets dele entenderia o que era "esse lixo".

Jefferson Sato não precisa gostar do que você gosta. Eu não preciso gostar do que você gosta. E isso não quer dizer muita coisa.

Minha geração inteira leu Harry Potter. Eu também já quis ler...li 23 páginas e desisti. Não era pra mim. Mas indiquei pra minha irmã caçula(que gostou), quem sabe não leio para meus filhos um dia?!

Não ler Harry Potter não me faz melhor do que ninguém. Pessoas geniais leram, gostaram e citam a toda hora.

Eu não faço questão de HP, de Chaves e mulher fruta. Sou corinthiana. Leio vô Gabo, Zola e Machado, mas tenho trauma de Iracema, a virgem dos lábios de mel (e oh, José de Alencar nunca incitou o ódio a minha pessoa).

Sei que Paulo Coelho pode ter salvo vidas com seus livros. Mas isso não obriga ninguém a gostar da obra dele.

O que escrevemos é público. Twitter. Mas se a pessoa procura por ela mesma, tem de estar preparada para o que vier e ter a grandeza de ignorar, não a pequeneza de retuitar. A imagem que eu tinha de Paulo Coelho como uma pessoa centrada já não existe mais (e isso não faz diferença nenhuma para ele, não é mesmo?).

Jefferson Sato não precisa gostar do que você gosta. Eu não preciso gostar do que você gosta. E isso não quer dizer muita coisa. Mas bem-vindo a democracia.

* Isso é uma brincadeira. Senso de humor, sabe? Não apoiamos a censura.